Direitos sexuais e reprodutivos

Os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes, por isso o reconhecimento dos direitos sexuais e da liberdade de orientação sexual livre de violência e coerção são determinantes para as pessoas gozarem dos seus direitos de forma plena. A negação destes direitos limita o exercício dos Direitos Humanos. Dada a situação abaixo descrita, a promoção do respeito pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos é uma área de enfoque temático do Fórum Mulher no período do presente Plano Estratégico, dando continuidade ao trabalho iniciado na vigência do Plano Estratégico anterior. Esta continuidade irá permitir reforçar e consolidar os resultados alcançados.

Problema

Moçambique é dos países com mais alta taxa de mortalidade materna no mundo, revelando desta forma as fragilidades e inequidades do sistema de saúde, assim como do Estado moçambicano em responder as necessidades das mulheres em matéria de saúde. A taxa de 408 por 1000005 nascimentos é também um indicador da desigualdade social e injustiça social que as mulheres sofrem. Onde o aborto inseguro contribui com 11% de mortes maternas, em resultado das restrições legais e políticas para o acesso aos serviços de aborto seguro. Dados do IDS, 2011 revelam ainda que somente 12% das mulheres moçambicanas tiveram as suas necessidades satisfeitas de planeamento familiar, contrariando deste modo o progresso alcançado em 2003 de 17%6.

As graves deficiências na situação da saúde sexual e reprodutiva, são igualmente ilustradas pelo número de mulheres jovens e raparigas de 15-19 anos que estão grávidas ou tem pelo menos um filho em Moçambique contabilizado em 38%. Tendo como consequência a ocorrência de fístulas obstétricas, em mulheres jovens com uma estimativa anual de 2000 (dois mil) novos casos. Por outro lado, a saúde das mulheres é ameaçada pela feminização do HIV/SIDA, também com enfoque para as mais jovens, de 15 a 24 anos, onde a taxa de prevalência situa-se em 11 % de mulheres, comparada com 3,7 % de homens7.Relembrando igualmente que entre as mulheres jovens de 15-19 anos uma em quatro mortes (24%) é atribuída a causa materna e esta proporção diminui a 16% nas mulheres de 25-29 anos e a 8% nas mulheres de 45 a 49 anos8.

Causas do problema

Esta situação tem várias causas. Por um lado, persistem práticas culturais e sociais que são nocivas à saúde das mulheres e raparigas e que as colocam numa situação de submissão. Destacam-se os ritos de iniciação como um espaço de construção de identidades, que impactam directamente na vida das raparigas e mulheres. Alguns estudos têm procurado explicar a relação existente entre a desistência escolar das raparigas, a gravidez precoce e as uniões forçadas através dos ritos de iniciação. Apesar de não haver resultados definitivos, os estudos permitiram um avanço na compreensão dos problemas. Por exemplo, a questão das uniões forçadas só recentemente ganhou visibilidade na agenda das organizações da sociedade civil como um problema. Salienta-se que as uniões forçadas, cuja frequência situa o país no 7º lugar no mundo, levam a muitos casos de gravidez na adolescência, com os subsequentes danos à saúde das adolescentes. As decisões sobre questões de saúde das mulheres são muitas vezes tomadas pelos seus familiares, e não por elas próprias.

Adicionalmente, o quadro legal sobre os Direitos Sexuais e Reprodutivos continua a ser insuficiente, sendo a sua maior lacuna a não aprovação da lei que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez, cuja proposta já foi depositada na Assembleia da República. A penalização do aborto limita de forma significativa a liberdade da mulher de decidir se quer ser mãe. Ainda no contexto das políticas públicas, foi aprovada em julho de 2011 a Política de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, um instrumento progressista, complementada pela Estratégia de Planeamento Familiar 2010-2014. No entanto, estas políticas não são suficientemente divulgadas nem implementadas.

Os serviços de saúde não são suficientes e o atendimento tem pouca qualidade, havendo indícios de maus tratos dos utentes, procedimentos e métodos dolorosos, particularmente nas maternidades e centros de saúde.

No geral, a proporção do orçamento do Estado para o sector da saúde tem reduzido, representando actualmente cerca de 10%, longe ainda da meta africana de 15%. Isto deixarecursos absolutamente insuficientespara a saúde das mulheres em geral, e, em particular, para as medidas preventivas.

Este quadro da situação mostra que as mulheres e as raparigas em Moçambique não exercem os seus direitos sexuais e reprodutivos, por não terem poder de decisão sobre si mesmas, nem acesso a informação ou a serviços adequados. As principais causas são as práticas nocivas, o desconhecimento geral sobre os direitos, o quadro legal insuficiente, a implementação ineficiente das políticas existentes, a limitada alocação de recursos financeiros suficientes ao sector da saúde, assim como serviços de saúde inadequados e que não respeitam os direitos das mulheres.

Mudança necessária

Para mudar esta situação, é necessário promover um maior respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, com enfoque na mudança das atitudes e comportamentos que negam às mulheres esses direitos, tanto ao nível dos indivíduos como ao nível das instituições.

Primeiro, na perspectiva do Fórum Mulher, é essencial que as mulheres e as raparigas tenham acesso à informação e à formação para conhecer o seu corpo e poder decidir, como sujeitos, sobre a sua saúde, reprodução e sexualidade. Por isso, é necessário que elas próprias, bem como o pessoal da saúde, as famílias e sociedade em geral, reconheçam estes direitos. É necessário que os serviços de saúde, a sociedade civil e as autoridades locais sejam consciencializados sobre os direitos sexuais e reprodutivos e que unam forças de modo a transformar as práticas que subjugam as mulheres e perigam a sua saúde.

Segundo, será necessário que o quadro legal reconheça os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres na sua íntegra, que os legisladores e decisores políticos se tornem favoráveis a estes direitos, reconhecendo que são imprescindíveis para a plena realização dos direitos humanos de todos os cidadãos e para o sucesso dos esforços de desenvolvimento do País. Neste sentido, será necessário assegurar a aprovação da legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez, assim como a sua plena implementação, alocando recursos necessários e suficientes para o efeito.

Terceiro, será necessário que as leis e políticas existentes, que reconhecem os direitos das mulheres, sejam devidamente implementadas e divulgadas, o que requer alocação de recursos suficientes para custear os serviços adequados, ou seja, que os mesmos decisores sejam coerentes na distribuição dos recursos do Estado. Devem ser cumpridos os compromissos, sobre a proporção do orçamento para o sector de saúde e sobre a alocação de recursos suficientes para implementar devidamente as políticas aprovadas sobre os direitos sexuais e reprodutivos.

Papel do FM

Neste contexto, o Fórum Mulher pode contribuir facilitando a divulgação da informação e a consciencialização das pessoas, das comunidades e dos actores institucionais para uma mudança de atitudes no sentido de reconhecer e observar plenamente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A promoção destes direitos é um conceito novo, em que ainda não há muitos actores ou muito conhecimento sólido. Por exemplo, a área de prevenção do HIV e SIDA tem muitos actores envolvidos, sobretudo ao nível de assistência, mas apenas alguns deles têm uma abordagem baseada em direitos das mulheres. O FM divulgará e reforçará esta abordagem junto dos actores que ainda não a usam.

Ao longo dos últimos cinco anos, o FM tem criado consciência entre as suas organizações membros sobre os DSR, trabalho que deve ser continuado e ampliado para se obter um maior impacto. Muitos destes membros trabalham nas comunidades, onde podem divulgar informação e influenciar os comportamentos. Será necessário desenvolver materiais e métodos inovadores para apoiar estas organizações membros e os outros actores que trabalham directamente com as comunidades, tentando conseguir mudanças nas práticas culturais nocivas.

O FM já está envolvido, e irá continuar, nos processos – pela sua natureza prolongados – de advocacia para promover a melhoria no quadro legal relativo aos DSR. Simultaneamente, será necessário realizar a monitoria da implementação das políticas e da legislação relevante, para produzir evidências e basear nestas a consequente advocacia. Ao mesmo tempo, será necessário intensificar os esforços para alcançar a despenalização da interrupção voluntária da gravidez e concluir este etapa importante na melhoria do quadro legal.

Por isso, o FM salienta como acções prioritárias:

– a criação e divulgação de métodos eficazes para promover a transformação das atitudes que perpetuam as práticas culturais nocivas às mulheres;

– o desenvolvimento da sua capacidade de monitorar e influenciar a implementação das políticas na área dos DSR;

– a aprovação da despenalização da interrupção voluntária da gravidez.

Por ser o articulador de actores da sociedade civil que defendem os direitos humanos das mulheres, o papel do FM será de capacitar estes actores afim de terem os conhecimentos e competências adequados para promover as mudanças, através do seu trabalho nas comunidades. Será também unir e reforçar estes actores para serem capazes de persuadir os legisladores e decisores políticos da necessidade de reconhecer os DSR e tomar as decisões que possibilitem a realização plena desses direitos. Ainda, cabe ao FM tornar os Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres um tema de debate público e aberto, de modo a ampliar a influência sobre as decisões relativas ao seu respeito e sobre a alocação de recursos suficientes a eles direccionados.

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