“Eu me sinto uma heroína”- Filomena Chavanguane

Este é o sentimento que caracteriza Filomena Chavanguane, depois de passar por vários tipos de violência. Chavanguane é uma activista social na Associação Sócio Cultural Horizonte Azul (ASCHA), uma organização membro do Fórum Mulher que trabalha em prol da promoção dos direitos da rapariga.

A voluntária de 21 anos de idade é residente no bairro de Maxaquene A, uma zona periférica da cidade de Maputo. A jovem conta que nasceu numa família com poucos recursos financeiros mas com a morte do seu pai a situação piorou. “Nós vivíamos numa dependência de um quarto e sala, era pequena mas tínhamos que caber todos e éramos seis. Quando meu pai faleceu a família dele nos obrigou a sair. Tivemos que abandonar a casa e tivemos abrigo na família da minha mãe” conta.

A mudança de residência também implicou a mudança do bairro. No novo bairro Filomena não tinha condições de pagar transporte para a escola e por isso teve que interromper na 8 classe. Passados seis meses da morte do pai a activista também perdeu sua mãe e não tardou para que a família da falecida mandasse embora os irmãos órfãos.

Estes foram obrigados a voltar para casa onde tinham crescido, no bairro de Maxaquene, e disputar a casa no tribunal com a família do pai. No meio do processo de disputa pela casa Filomena conta que só conseguia alimento graças a boa vontade de alguns vizinhos.

Sem mãe nem pai, Filomena entrou em depressão e sentia que a vida não mais fazia sentido. “Fiquei deprimida, comecei a beber e a fumar, eu me drogava para esquecer da vida. Nisso tudo precisei arranjar formas de comprar bebidas e drogas. As vezes conseguia de alguns trocados que meu irmão me deixava para cozinha mas comecei a me relacionar com homens mais velhos para ter dinheiro. E depois fui morar com um na tentava de fugir dos problemas da minha família e porque ele podia-me dar de comer sempre”, conta.

Mas a nova vida do lar não trouxe o sossego que a jovem buscava. “Ele começou a me violentar. Me batia, me obrigava a ter relações sexuais com ele e sempre que podia me jogava na cara que eu era uma sem tecto. Que eu não era nada e não tinha nada”, conta Filomena com olhos cheios de lágrimas. “Fiquei deprimida e pensava que aquele era fim da minha vida. A família dele não me ajudava, sempre que me batia eles me diziam que lar é assim mesmo, aguenta-se com paciência”, desabafa.

Enquanto vivia no lar, Filomena perdeu suas duas irmãs, vítimas de doença. E ficou apenas com um irmão, com quem vive actualmente. Este foi que a impulsionou a voltar para escola. “Meu irmão via meu sofrimento e sempre me chamava para conversar. Me pediu para abandonar aquele lar e voltar a escola. Eu sempre dizia que não tinha coragem de sair, mas ele me fez entender que eu era muito jovem e que um grande futuro me esperava. Ganhei coragem e sai daquela casa. Decidi recomeçar graças a ajuda do meu irmão”, assume.

Mas o irmão não foi o único apoio que Filomena teve. “Quando voltei para casa a tive a oportunidade voltar para ASCHA, eu já fazia parte do grupo alvo desde que eu perdi meu pai”, explica.

Filomena conta ainda que sua historia já era conhecida na Horizonte azul por isso decidiu buscar apoio. “Uma das coisas que me salvou além do meu irmão foi ter conhecido ASCHA. ASCHA me integrou na escola, me formou. Hoje sou mentora do Muva, um projecto que recruta jovens com ensino médio para apoiar professores nas turmas numerosas. Hoje ajudo raparigas que estão em situação igual a minha, mostro a elas que o futuro é promissor. Partilho minha história e as oriento nas suas escolhas,”, conta.

“Graças à Ascha eu me sinto uma heroína. Já posso fazer minhas escolhas e segura delas. Tenho uma vida normal e um salário. Eu me sinto capacitada e faço escolhas conscientes”, acrescenta.

Dalila Macuácua é directora executiva da ASCHA e conta que a Filomena é um exemplo de uma rapariga que deu a volta por cima. “A Filomena passou por vários níveis de violência, ela tinha tudo para dar errado, mas sua força e a ajuda que seu irmão deu fizeram dela a grande mulher que temos hoje. Ela é uma activista social. Graças a ela muitas raparigas decidiram voltar para escola”, conta. “Para mim ela é uma guerreira. Teve uma infância controversa, mas se superou, é um exemplo de resistência”, acrescenta.

 

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