“Reiteramos a rejeição ao ProSAVANA e ao MATOPIBA e defendemos a soberania alimentar dos povos”

 DECLARAÇÃO DE TOQUIO

Nós, movimentos camponeses e organizações da sociedade civil de Moçambique, Brasil e Japão, reunimo-nos de 20 a 22 de Novembro de 2018, no âmbito da quarta Conferência Triangular dos Povos contra o ProSAVANA, realizada na cidade Japonesa de Tóquio.

 Nos dias que antecederam a conferência, realizamos visitas as machambas de camponeses e camponesas do Japão, com os quais trocamos valiosas experiências sobre a agricultura camponesa e fortalecemos a solidariedade que temos vindo a construir ao longo dos últimos anos.

Com a sociedade civil japonesa, e junto a um público mais alargado, expusemos a agenda do capital agroindustrial de eliminar a agricultura camponesa nos nossos territórios, tal como é o caso do programa ProSAVANA em Moçambique e MATOPIBA no Brasil, promovidas pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (JICA), em aliança com o capital financeiro e os governos desses países. Tanto o ProSAVANA quanto o MATOPIBA são programas agrários pensados para a produção em larga escala de commodities para o benefício do capital, embora se mencione de forma manipulada nos documentos que é para o desenvolvimento rural e a garantia da segurança alimentar.

A nossa conferência permitiu-nos igualmente partilhar casos de resistência a este tipo de programas de imposição agrícola e mostramos experiências concretas de agroecologia em Moçambique, Brasil e Japão.

 Ao fim destes dias de encontro e deliberações – e após termo-nos reunido com os representantes da JICA, do Ministério Japonês dos Negócios Estrangeiros (MOFA), do Ministério Japonês das Finanças e do Banco Japonês para a Cooperação e Internacional (JBIC) – reiteramos a nossa rejeição ao ProSAVANA em Moçambique e ao MATOPIBA no Brasil. Exigimos do governo do Japão e da JICA sua retirada urgente destes programas.

Quase 40 anos depois de seu inicio, a JICA continua a celebrar o programa agrícola PRODECER do Brasil. Embora os últimos discursos se refiram a uma não réplica do PRODECER em Moçambique, a JICA continua a usar a experiência desastrosa do Brasil como um caso de sucesso agrícola, mesmo que tenha provocado extermínio, expulsão e subordinação de diversos povos indígenas e sertanejos que ali viviam e cujos saberes constituíram ao longo dos séculos a agrobiodiversidade dos Cerrados.  Agricultura promovida pela JICA no Brasil é de extensos monocultivos – sobretudo de soja transgênica – provoca a erosão da biodiversidade e a exaustão hídrica e dos solos, contaminando as águas com agrotóxicos – alguns dos quais, inclusive, proibidos no Japão. É que o Japão depende da importação de grandes quantidades de soja (milho e trigo) para responder às necessidades alimentares da sua densa população.

A mais recente fronteira do Cerrado brasileiro, o MATOPIBA, enfrenta actualmente graves conflitos em decorrência da persistência dessa visão. E uma vez mais a JICA e o governo japonês preferem ignorar as críticas públicas e os desastres socioambientais decorrentes de décadas de ocupação predatória, associando-se ao programa.

Na última Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada neste mês de Novembro (2018), o Japão não votou a favor da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Camponeses, Camponesas e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais. Optando por abster-se, o Japão envia-nos uma mensagem clara. Seria uma contradição acreditar que a mais importante agência de cooperação do Estado Japonês tenha intenções de apoiar os camponeses e camponesas moçambicanas se este país defende que o campesinato não é digno de direitos.

O ProSavana e o MATOPIBA representam um claro atentado a classe camponesa. A forma pela qual têm sido, até aqui, conduzidos estes processos, os camponeses e camponesas das regiões de implementação têm sido recusados o direito de decisão sobre seus próprios sistemas alimentares. Continuam a ser tratados como objetos passivos e nega-se o seu protagonismo e um acumulado de saberes e valores ligados a agricultura camponesa e a importância da cooperação e solidariedade entre si. Ao imporem-se práticas e opções agrícolas estranhas a sua concepção, não só atenta à soberania alimentar dos povos, como também compromete uma forma de organização social, cultural, económica e ambiental dos camponeses dessas regiões.

Convocamos a sociedade civil e o público Japonês a se posicionarem em solidariedade com os povos de Moçambique e Brasil, em especial ao povo do Corredor de Nacala em Moçambique e do Cerrado Brasileiro, rejeitando o uso de recursos públicos do povo Japonês para financiar programas de cooperação que violam os direitos humanos de povos e devastam o meio ambiente de territórios alheios, conforme se pretende com o ProSAVANA e o MATOPIBA.

Ao mesmo tempo que reiteramos a nossa rejeição incondicional ao ProSAVANA e ao MATOPIBA, exigimos:

  • Que o Governo de Moçambique e do Brasil, junto com organizações camponesas e sociedade civil desenhe planos nacionais de agricultura camponesa, genuínos e concebidos localmente, com a visão posta na soberania alimentar dos países.
  • Que se pare com programas e investimentos que promovem ocupação predatória dos territórios, comprometam a integridade dos povos e violem sistematicamente direitos humanos dos povos.
  • Que a Agência Japonesa de Cooperação Internacional abandone o ProSAVANA e o MATOPIBA.
  • Que o governo do Japão, através dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, considere com responsabilidade as queixas e as denúncias feitas por camponeses e pela sociedade civil.
  • Que o Estado do Japão responsabilize as empresas Japonesas pelas violações dos direitos humanos cometidas em Moçambique e no Brasil.
  • Que o Governo de Moçambique divulgue toda a informação relativa aos programas e investimentos em curso no corredor de Nacala, tal como o deverá fazer no caso do ProSAVANA, na sequência de uma decisão do tribunal Moçambicano a pedido da Ordem dos advogados de Moçambique.

Nós, camponeses e camponesas e organizações da sociedade civil da Conferência Triangular dos Povos, declaramos que continuaremos a articular-nos como Campanha Não ao ProSAVANA e a dar continuidade às acções de resistência, ao mesmo tempo que seguiremos praticando a agricultura camponesa de acordo com nossos costumes e nossa cultura, cuidando da terra, da agua, das sementes nativas e a biodiversidade como um todo, assim como seguiremos respeitando os conhecimentos dos nossos antepassados e repassando os mesmos à futuras gerações, como garantia da soberania alimentar dos nossos povos.

Não ao ProSAVANA!

Sim a agricultura camponesa e a Soberania Alimentar!

Tóquio, 22 de Novembro de 2018

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